Posted: 21 Jan 2017 07:33 AM PST
Fonte: Revista Exame.
Essa tese
de doutorado do Psicólogo Arlindo da Silva Lourenço já foi matéria desse blog
em 2012
http://jenisandrade.blogspot.com.br/2012/04/expectativa-de-vida-do-agente.html agora
volta na imprensa com a revista Exame.
Veja
abaixo a matéria publicada hoje na revista Exame:
O peso da
crise prisional para os agentes, segundo psicólogo
No
epicentro do caos do sistema prisional brasileiro, agentes recorrem ao álcool
e às drogas e, ao morrer, têm em média 45 anos de idade
Por Talita
Abrantes access_time 21 jan 2017, 10h53
São Paulo
– As cenas que chocaram o Brasil desde que o caos dos presídios eclodiu em
uma série de confrontos entre facções rivais são acompanhadas de perto todos
os dias pelos agentes de segurança penitenciária, profissionais cuja função
resume os paradoxo das cadeias brasileiras.
“Como
esses funcionários vão agir ou suportar emocionalmente a carga de ver um
preso sendo degolado? Imagine esse agente chegando em casa”, afirma o
professor universitário Arlindo da Silva Lourenço, doutor em psicologia pela
Universidade de São Paulo (USP) que estuda a rotina de trabalho dos agentes.
Em sua
tese de doutorado, defendida em 2010, Lourenço percebeu que, em média, quando
falecidos, os agentes morriam por volta dos 45 anos de idade. “Não é uma
expectativa de vida, mas esse dado indica que, ao morrer, esses funcionários
são muito novos”, diz o especialista que atuou como psicólogo durante 24 anos
em presídios do estado de São Paulo..
Isso se
deve a uma série de fatores. O abuso de álcool, cigarro e outras drogas é
recorrente entre esses profissionais bem como os afastamentos do trabalho por
causas relacionadas a problemas psíquicos ou emocionais.
Nesta
semana, os agentes de segurança penitenciária do estado do Rio de Janeiro
fizeram uma paralisação durante três dias por atrasos no pagamento de
salários. Eles reclamam também da falta de segurança e péssimas condições de
trabalho.
“A gente
precisa refletir sobre o papel da prisão na sociedade. Como entender a
instituição sob o princípio de ressocialização se ela enjaula pessoas?”,
afirma Lourenço. “A sociedade falha quando mantém as prisões como a única
forma de controle da criminalidade”.
Veja
trechos da entrevista que ele concedeu a EXAME.com nesta semana:
EXAME.com:
O agente penitenciário tem o papel de ser o elo do preso com a realidade de
fora do presídio. Qual é o peso dessa carreira para esses profissionais?
Arlindo da
Silva Lourenço: O papel é muito grande, muito pesado. Pressupõe-se, a partir
de uma tese falsa, que a prisão ressocializa, reeduca e reconstitui a vida do
sujeito e que quem deverá fazer esse papel são os funcionários da prisão,
particularmente, os agentes de segurança penitenciária, que têm um contato
maior com o preso. Então, se espera que eles, além de serem agentes de
segurança sejam também agentes reeducadores, reintegradores e
ressocializadores.
O que há
de errado com esse papel?
Na
verdade, a gente precisa refletir sobre o papel da prisão na sociedade. Uma
coisa são os objetivos confessados da prisão, de socializar e reeducar, outra
coisa é o papel de exclusão e controle social da prisão. Como entender a
instituição sob o princípio de ressocialização se ela enjaula pessoas? Essa
contradição, esse paradoxo da prisão precisa ser entendido.
Em que o
Estado falha no suporte para o agente de segurança penitenciária?
Primeiro,
a sociedade falha quando mantém as prisões como a única forma de controle da
criminalidade. Não estou discutindo se a prisão deve permanecer na sociedade.
Estou discutindo que a sociedade falha quando pressupõe a prisão como a
principal via de contenção da criminalidade, como se não tivessem outras
penas alternativas.
Agora, o
Estado falha também quando não dá condições mínimas para as pessoas e para os
funcionários trabalharem com dignidade. São lugares frios, sujos,
superlotados, com uma grande concentração de doenças infecto-contagiosas e um
festival de facções. Isso tudo com um número limitado de funcionários
trabalhando.
A sua
pesquisa mostra que a idade média de óbito dos agentes de segurança
penitenciária é de 45 anos. Por que eles morrem tão cedo?
Eu peguei
dados de mortalidade, fui atrás dos atestados de óbito, fiz uma média
aritmética simples e percebi que, quando mortos, esses funcionários tinham
uma idade média muito baixa. Não é uma expectativa de vida, mas esse dado
indica que, ao morrer, esses funcionários são muito novos e morrem em
decorrência de uma série de fatores, como acidentes de trânsito, com armas de
fogo, armas brancas e algumas doenças do coração.
Como
trabalhar em presídios explica essas mortes?
A carga
emocional é muito intensa. Pensando nos funcionários dos presídios [onde
ocorreram motins] nas regiões norte e nordeste, como esses funcionários vão
agir ou suportar emocionalmente a carga de ver um preso sendo degolado?
Imagine esse agente chegando em casa com essa carga emocional intensa tendo
que também toda a carga emocional familiar. Esse é um ambiente extremamente
complicado para trabalhar.
O senhor
menciona em sua pesquisa que uma grande parte dos agentes possuem um segundo
emprego …
A grande
parte tem um duplo emprego, uma outra função, geralmente, autônoma sem
registro. Em São Paulo, [a jornada dos agentes é de] 12 horas de trabalho por
36 de descanso. Imagina permanecer 12 horas dentro de um presídio onde a
tensão é sempre grande, sair daqui e ir para outro trabalho, geralmente, de
12 horas.
Outra
questão que o senhor levanta é que 10% dos agentes pedem licença do trabalho.
Quais são as razões mais comuns?
Muitos por
estresse pós-traumático, alguns por psicose, outros por problemas relacionados
à álcool, outros às drogas. A grande maioria por problemas psicológico ou
emocionais. Esse dado é até maior em alguns estados.
Quando o
senhor trabalhava em presídios, quantos psicólogos atuavam junto com o
senhor?
Por volta
de 1993 e 1994, nós éramos oito psicólogos para um contingente de
aproximadamente 800 presos. Em 2015, éramos três psicólogos para 2 mil presos
em Guarulhos, na penitenciária José Parada Neto. Isso é em todo o estado.
Quais são
os momentos mais tensos do dia para o agente de segurança penitenciária?
No dia a
dia, era abrir e fechar as celas. São dois ou três agentes para abrir celas
de um pavilhão com 300, 400, 500, 600 presos ou mais. Imagine dois agentes de
segurança penitenciária entrando num pavilhão abrindo cela por cela com as
condições que a gente ouve. Esse é um momento do dia bastante tenso. Claro
que tem vários momentos que vão caracterizando um pouco mais de tensão. Eu
cheguei a ver, por exemplo, funcionários entrando no pavilhão para trancar
presos e sendo rodeados por uma série de outros presos, que queriam intimidar
dizendo quem estava no poder ou no comando.
A relação
entre presos e agentes tende a ser amistosa?
Na maioria
do tempo, é uma relação muito amistosa e de respeito mútuo. Esses eventos que
estou dizendo são um pouco isolados, vão acontecendo, mas são facilmente
tratados e resolvidos ali – evidentemente não uma rebelião, claro.
É possível
repensar a função do agente?
Primeiro é
discutir a forma como lidamos com a criminalidade. Não dá para você tratar o
dependente químico ou o pequeno traficante de drogas da mesma forma como se
trata o estuprador, o latrocida, o grande traficante. Essas coisas todas que
as pesquisas mostram há muito tempo, mas que o Brasil não consegue avançar. O
país continua prendendo indiscriminadamente, principalmente, a população mais
vulnerabilizada. É uma verdade também que nosso sistema penal é seletivo,
então, não é todo mundo que comete o mesmo crime que será preso. Essas coisas
precisam ser discutidas no Brasil.
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domingo, 22 de janeiro de 2017
O peso da crise prisional para os agentes penitenciários, segundo psicólogo
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